sábado, 7 de novembro de 2015

A Umbanda na Pista de Dança

Ah, a Internet! Esse universo paralelo fascinante da informação... tão saturado de artigos, discussões, memes, popups, fakes, spam, hackers, crackers, lamers e GIFs animados, que muitas preciosidades passam despercebidas. E muita música interessante também.

Foi através do Orkut, a célebre rede social que conquistou os corações dos brasileiros pelos idos de 2005, 2006 e encerrou definitivamente suas atividades em 2014 após um triste declínio, que fiquei sabendo que sim, já houve um sujeito ousado o suficiente para gravar um disco com temas de Umbanda em ritmo de Disco Music. Seu nome é Fernando Santos, e isso aconteceu em 1979. Antes de eu nascer, portanto. Não que ele tenha sido o primeiro a transpôr o sincretismo religioso da Umbanda para a música popular do Brasil - Vinícius de Moraes e Toquinho já faziam isso, provavelmente nem tendo sido os primeiros (cabe pesquisa). Mas esta combinação com Disco Music merece ser melhor conhecida e reconhecida.

Yes, Nós Tivemos Disco Music!

A cena Disco no Brasil foi um bocado efervescente, mesmo tendo durado pouco tempo e sido eclipsada por outros movimentos musicais da mesma década. Se, ao ouvir falar em Disco Music feita no Brasil, você se recorda de Dancin' Days das Frenéticas - tema de abertura da novela homônima de Gilberto Braga exibida pela Rede Globo na época, saiba: houve bem mais artistas e músicas relevantes do mesmo tipo.

Fazer música para dançar não é tão fácil quanto parece, quando você tem uma proposta musical aliada a alguma poética e pretende transmitir algum valor, seja cultural, social, ou apenas estético. Se sua referência temática é de caráter religioso, é mais complicado ainda. Neste caso, você precisa fazer uma música que tenha: ritmo forte e letra de fácil memorização, estar relevante para o momento histórico em que você se encontra, e ainda deve respeito às entidades religiosas e tradições que você vai abordar em suas letras. Tudo isso simultaneamente. Parece fácil? Não é, mesmo.

Claro, hoje em dia há muitos 'artistas' que não têm preocupação estética nenhuma e também não estão em busca de nenhum movimento ou qualidade poética, mas...deixa pra lá, ok? Vamos falar de coisas boas. Vamos falar da nova Tekpix...vamos falar de Fernando Santos e sua Disco Umbanda, que foi muito feliz em sua proposta de unir a tradição cultural dos terreiros com o fenômeno da Disco Music, numa atitude pop muito defensável.

Não só defensável. Foi ousada e corajosa.

Se a Umbanda ainda hoje sofre pesada discriminação por parte de "cristãos" fundamentalistas (as aspas são porque intolerância e violência contra outras religiões não são atributos cristãos legítimos, e sim decadentes), em 1979, sob Governo Militar, a situação provavelmente não foi melhor. A única seita cristã que na época saiu em defesa aberta das religiões afrobrasileiras foi a dos espíritas kardecistas, orientados pelo Chico Xavier.

Temos aqui uma linguagem Disco, e uma combinação bem orquestrada de metais, cordas, bateria em pulsação forte (embora não sincopada) e baixo groovado com som imponente na mixagem, o que é esperado desse ritmo musical e era um som realmente irresistível (é até hoje, mesmo para quem não viveu aqueles anos). E destaco: a voz de Fernando Santos é possante, imponente, afinada, resultando em uma experiência musical que vale muito a pena conhecer e resgatar.

E Fernando Santos? Quem é ele?

Não sei. Pela pronúncia ao cantar, só me ocorreu uma coisa: paulista é que ele não é. Quaisquer informações que você tiver sobre ele serão bem acolhidas aqui. Edição: acho que o encontrei no Google+. Que honra!

Um dos artigos que encontrei dele pela Internet foi a capa do seu disco, intitulado 'Fernando Santos'.

Fernando Santos em pose bastante séria e quase contrastante
com o figurino e o visual vibrante da capa. Ah, nota para os visuais: fazer o degradê pesado que aplicaram ao logotipo, numa época sem Photoshop, já era um trabalho fenomenal à parte, que demandava muita habilidade artística.
O resultado é de uma qualidade surpreendente. Foi evidente o esmero e dedicação com o qual o disco foi realizado, superando em vários quesitos uma boa leva da produção musical atual.

Ficou curioso? Confira então esses dois vídeos que vão lhe passar uma ideia da vibe gostosa e contagiante da Disco Umbanda:


'Omulu', música que chega surreal na tela, com direito a uma coreografia legal que deixa a apresentação ainda melhor, e um frissonzinho do eterno apresentador-agitador cultural-garoto problema-machista-referência-jurado-do-Troféu-Imprensa, Carlos Imperial, no início do vídeo, chamando - com bastante sensacionalismo - a música de Fernando Santos de 'A Grande Polêmica do Momento' enquanto convoca o cantor



'Marabu do Senegal' no encerramento do programa. Os anúncios das próximas atrações pelo locutor no final são uma verdadeira mini-radiografia antropológica do cérebro do brasileiro doméstico daquela década - indo de um filme de suspense ('Os Mortos Não Morrem'), passando pela propaganda de Guaraína - que 'acaba com a dor, gripe, resfriado e não ataca o coração' (ufa!), até, para o dia seguinte, mais uma etapa do concurso para a escolha d'"A Mulata Definitiva" no programa Flávio Cavalcanti. Noite movimentada aquela, hem?

Não é coincidência: com a exceção de Carlos Imperial, os brasileiros nos vídeos são tipicamente magros, o que se nota em qualquer vídeo nacional antigo. A escalada da obesidade (maior acesso à alimentação, mas também maior consumo de fast-food) é um fenômeno nacional relativamente recente.

Parafraseando então o finado apresentador, "é válido ou não é válido, a Umbanda em ritmo de Discotheque"?

2 comentários:

  1. Muito bom. Eu não conhecia essas músicas! Gostaria de achar as gravações originais!

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  2. Carlos, você está com sorte. Link para download:

    https://www.dropbox.com/s/kdgqniku1g0ewl8/Disco%20Umbanda%20-%20Fernando%20Santos.rar?dl=0

    Obrigado pela visita. Divirta-se!

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